
Acordei com vontade de ler poesia e resolvi conceder-me isso mesmo: uma pausa, uma caneca de chá e a companhia de um poeta.
Dos poetas, não sei quando escrevem mas acho que é quando se sentem sufocar. Digo-o porque é quando me sinto assim que me apetece lê-los mas isso é, às tantas, uma tolice minha. Que sei eu deles, que temos em comum senão a dor que eles escrevem e eu leio?
Procuro-te
Procuro a ternura súbita, 
os olhos ou o sol por nascer 
do tamanho do mundo, 
o sangue que nenhuma espada viu, 
o ar onde a respiração é doce, 
um pássaro no bosque 
com a forma de um grito de alegria. 
Oh, a carícia da terra, 
a juventude suspensa, 
a fugidia voz da água entre o azul 
do prado e de um corpo estendido. 
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música. 
Chamo por ti, e o teu nome ilumina 
as coisas mais simples: 
o pão e a água, 
a cama e a mesa, 
os pequenos e dóceis animais, 
onde também quero que chegue 
o meu canto e a manhã de maio. 
Um pássaro e um navio são a mesma coisa 
quando te procuro de rosto cravado na luz. 
Eu sei que há diferenças, 
mas não quando se ama, 
não quando apertamos contra o peito 
uma flor ávida de orvalho. 
Ter só dedos e dentes é muito triste: 
dedos para amortalhar crianças, 
dentes para roer a solidão, 
enquanto o verão pinta de azul o céu 
e o mar é devassado pelas estrelas. 
Porém eu procuro-te. 
Antes que a morte se aproxime, procuro-te. 
Nas ruas, nos barcos, na cama, 
com amor, com ódio, ao sol, à chuva, 
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te. 
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

1 comentário:
Têm muita coisa em comum, muito além da dor: a esperança. O olhar e a sensibilidade. O amor.
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