domingo, 6 de setembro de 2009

GAvante!


Hoje acho que os concertos das bandas de que gosto podiam ser todos ali, do outro lado da baía, onde fazem há já uma data de anos aquela festa de que dizem não haver outra como aquela.
Todos os anos por esta altura o trânsito aqui fica caótico, há barulho, acampamentos, ruas cortadas e a música do partido, estridente, a sair de megafones encarrapitados nas carrinhas. E eu desespero, praguejo, digo para-o-ano-meto-férias-e-ninguém-me-apanha-por-cá. Depois esqueço-me, fico e acabo por sorrir deliciada pelo magnífico fogo-de-artifício com que a festa é encerrada. Aquele que mais uma vez se repete enquanto escrevo estas palavras.
Este ano respirei fundo, praguejei só metade do habitual e comprei EP's às miúdas na delegação do partido, catada na internet, e que afinal é mesmo aqui em frente, só com a baía pelo meio. Um espaço pequeno e sombrio com uma secretária velha entalada sob o vão da escada, três cadeiras e três homens de meia idade falando baixo que se calaram quando entrei. Meia idade, digo eu, porque me pareceram ter uma vez e meia a minha e isso, legalmente, é menos que a idade seguinte, que é a terceira, dizem. Adiante. Que sei eu de idades? Parece que a verdadeira está lá dentro de cada um, que o corpo só engana.
Quebrei o silêncio. Boa tarde - boa tarde. Duas épês, se faz favor. Trinta e oito euros, não é? Já vi que não há multibanco, pois não? Há sim, é já ali na esquina, menina.
Desarmei. Sorri encantada com a forma genuinamente prestável como me respondeu. Acho que tenho que chegue, ou quase, vejamos. Tinha, sobraram-me uns cêntimos. Numa folha quadriculada, de margens estreitas e sem deixar linhas de intervalo, escreveu 2 e depois, 38,00. Em seguida abriu a gaveta, guardou em montes separados as notas de dez e de cinco, abriu a lata das moedas, guardou-as e tornou a fechar a lata. Tirou dois ingressos e estendeu-mos com um Obrigado. Retribuí e saí para o calor da tarde a pensar que deveria ter ido ao multibanco, que talvez... mas não, não gosto de ajuntamentos. Acho...

O moço da foto foi o que ouvi esta noite, à distância, sem que o ruído me ferisse. Daqui. De onde vi a Atalaia iluminada e as luzes da cidade, vibrando, a perder de vista. A partir de amanhã, nas noites, o verde palco da festa voltará a ser como sempre, uma mancha negra dormindo na paisagem iluminada. Apenas uma luz, vermelha, no cimo da torre metálica onde vive hasteada todo o ano a bandeira do partido, marcará a sua existência. E eu voltarei à minha paz, ao meu amado silêncio na paisagem.

O G lá de cima tem história. Deliciosa. E contar-se-á a pedido.

4 comentários:

edu disse...

Conta conta conta conta! Também já fui um assíduo aficionado do Avante e de lá sobram as histórias para contar...

Por isso, se contasses, talvez para o ano tornasse a lá ir e me acontecesse o mesmo, ou algo melhor. Quem sabe, falar o espírito do Manuel da Fonseca ou comer um carreiro de formigas...

Mutante disse...

A história é simples e deliciosa talvez apenas para mim, porque saiu da boca de uma das minhas filhas. Deliciosa pela ingenuidade e por revelar a liberdade de pensamento e a criatividade pouco condicionada ainda, própria das crianças.
Depois de passarmos por vários anúncios da festa, ela que tinha, havia pouco tempo, aprendido a ler, perguntou: Mãe, que festa é essa, a festa do Gavante?
Foi preciso passarmos por outro cartaz para eu perceber que ela tinha visto um G onde está a foice e o martelo.

Não tenho mais histórias do Gavante, só esta, que fez com que para nós a festa tivesse para sempre mudado de nome.

edu disse...

Mítico! Também fiz muitas dessas em pirralho. Fazia-me uma enorme confusão que quase todas as empresas com nomes de famílias terminassem em LDA., o que me levava a pensar que fossem todas pertencentes a uma grande e abastada família estrangeira, a família "lda" (lia e pronunciava tal e qual assim).

Mutante disse...

:o) A minha mãe, em criança, chamava Jup à 7Up. Lá em casa ninguém fala em Seven up, claro!