sábado, 30 de maio de 2009

Também este nós perdemos


Sempre achei que a beleza faz mais sentido se for partilhada. Tenho dificuldade em ver coisas belas e não as associar a alguém de quem goste. Acho que todos o fazemos.  Em limite, esta associação, a das coisas mais belas, vai para a pessoa que amamos.  Ou isso, ou transborda. Ou magoa.
Acabei de ver da minha janela a festa do fogo de artifício sobre o Tejo. Foi belíssimo. E transbordou. Fez-me recordar um dos meus poemas favoritos. Deposito-o aqui antes que me magoe, como acontece tanta vez quando, daqui, vejo a festa do poente.


Também este crepúsculo nós perdemos.
Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas
enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

Olhei a minha janela
a festa do poente nas encostas ao longe.

Às vezes como uma moeda 
acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

Eu recordava-te com a alma apertada
por essa tristeza que só tu me conheces.

Onde estavas então?
Entre que gente?
Dizendo que palavras?
E porque vem até mim todo o amor de repente
quando me sinto triste, e te sinto tão longe?
Caiu o livro em que sempre escolhíamos ao crepúsculo
e como um cão ferido encostou-se a minha capa aos pés.

Sempre, sempre te afastas pela tarde
para onde o crepúsculo corre apagando as estátuas.

Pablo Neruda


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